Entenda os reflexos da alta histórica do IGP-M e possibilidade de substituição do indexador.
É notório que a crise sanitária propagada pela COVID-19 desequilibrou a economia mundial. No Brasil não foi diferente, a pandemia gerou o aumento do desemprego, queda da renda dos brasileiros, inflação, dentre outros problemas.
Um dos reflexos da pandemia foi o aumento expressivo do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), o qual é divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), e comumente utilizado nos contratos de locação e compra e venda de imóvel.
O resultado do IGP-M é a média aritmética ponderada da inflação ao Índice de Preços ao Produtor Amplo – IPA, Índice de Preços ao Consumidor – IPC e o Índice Nacional de Custo da Construção – INCC, que distribuídos representam 60% para o IPC, 30% para o IPC e 10% para o INCC.
A elevação desenfreada do IGP-M teve início em junho de 2020, chegando a alta histórica de 35,75%[1], em junho de 2021, o que impossibilitou muitos brasileiros a cumprirem os encargos assumidos em contratos que previam o IGP-M como indexador.
A princípio, a aplicação do IGP-M para reajuste contratual não é ilegal. Todavia, devido a modificação do cenário econômico e contratual, é possível a substituição do IGP-M, a fim de restabelecer a equação econômica financeira entre as prestações pactuadas nos contratos e, principalmente, inibir o enriquecimento sem causa do credor, à custa de uma atualização monetária que compõe fatores que não refletem a situação inflacionária vivida no país.
- Do posicionamento dos Tribunais quanto a possibilidade de substituição do IGP-M
- Contratos de locação:
[…].AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL PARA AFASTAMENTO DA CORREÇÃO DOS ALUGUÉIS PELO IGP-M, COM SUBSTITUIÇÃO PELO IPCA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA PRESENTES (ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). PROBABILIDADE DO DIREITO DEMONSTRADA PELO AUMENTO EXPRESSIVO DO IGP-M NO PERÍODO DE PANDEMIA, DE FORMA IMPREVISTA PELAS PARTES E CONFIGURANDO, EM COGNIÇÃO SUMÁRIA, ONEROSIDADE EXCESSIVA A APENAS UMA DAS CONTRATANTES. PERIGO DE DANO, POIS O PAGAMENTO DOS ALUGUÉIS NO NOVO PATAMAR PODE CAUSAR IMPACTOS SIGNIFICATIVOS NA ATIVIDADE DA AGRAVANTE. OBSERVAÇÃO QUANTO À EFICÁCIA DA PRESENTE DECISÃO. RECURSO PROVIDO NESTA PARTE, COM OBSERVAÇÃO. […] É notório que o IGP-M, nos últimos tempos, tem alcançado patamares elevados, na esteira dos abalos econômicos causados pela pandemia de COVID-19. Esse aumento não era previsível às partes, que celebraram contrato antes da deflagração da pandemia. Não é razoável esperar que qualquer atividade desenvolvida no interior de shopping centers tenha experimentado, nesse período, aumento nos resultados nem de longe compatível com o patamar atingindo pelo IGP-M, sendo possível, portanto, falar em onerosidade excessiva a apenas uma das partes. Também presente o perigo de dano, uma vez que o prolongamento do processo, mantendo-se o pagamento do aluguel pela agravante no novo patamar, pode afetar, de maneira desproporcional aos efeitos sobre os outros contratantes, sua atividade empresarial. Observe-se que a presente decisão não pode retroagir aos aluguéis já pagos no novo patamar até o momento da citação dos réus (por analogia ao art. 478 do CC, que trata da resolução por onerosidade excessiva); os aluguéis seguintes, por outro lado, devem ser cobrados tomando por base os valores anteriores à correção (meses de julho e anteriores), atualizados, enquanto durarem os efeitos da tutela ora concedida, pelo IPCA.
(TJ-SP – AI: 22090552520218260000 SP 2209055-25.2021.8.26.0000, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 23/09/2021, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/09/2021) (negritei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, OBJETIVANDO A SUBSTITUIÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE ANUAL (IGPM) PELO IPC. INDEFERIMENTO. IRRESIGNAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE NATUREZA ANTECIPADA, SEM PRÉVIA AUDIÊNCIA DA PARTE, QUANDO INEQUÍVOCA A PRESENÇA DE SEUS REQUISITOS AUTORIZADORES (ART. 300, DO CPC/15). PROBABILIDADE DO DIREITO EVIDENCIADA, À LUZ DAS CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS DO CASO CONCRETO. AUMENTO EXPRESSIVO DO ÍNDICE CONTRATUALMENTE PREVISTO PARA A ATUALIZAÇÃO DO VALOR MENSAL DA LOCAÇÃO, EM DISSONÂNCIA COM O PRÓPRIO OBJETIVO DO AJUSTE FINANCEIRO ESTABELECIDO, QUE VISA A MERA RECOMPOSIÇÃO DA DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA. DIFICULDADE DE MANUTENÇÃO DA AVENÇA QUE DECORRE NÃO APENAS DO INCREMENTO SIGNIFICATIVO DO ALUGUEL MENSAL, MAS TAMBÉM DA CRISE ECONÔMICA VIVENCIADA PELOS AUTORES EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DE COVID-19, QUE INCLUSIVE MOTIVOU A DEVOLUÇÃO DE UMA DAS SALAS LOCADAS E O AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL DIVERSA, COM VISTAS À REDUÇÃO DOS ENCARGOS LOCATÍCIOS. APARENTE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL, EM RAZÃO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA SUPERVENIENTE, FULCRADA NA TEORIA DE IMPREVISÃO (ART. 317, DO CÓDIGO CIVIL). PERICULUM IN MORA DEMONSTRADO. EVENTUAL IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA. REFORMA DA SOLUÇÃO DE 1º GRAU. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJ-RJ – AI: 00126010420218190000, Relator: Des(a). MAURO DICKSTEIN, Data de Julgamento: 26/08/2021, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/09/2021)
- Compra e venda de imóvel:
No caso em deslinde o recorrente celebrou negócio jurídico de compra e venda de bem imóvel com a recorrida, aos 21 de setembro de 2020, tendo por objeto o Lote 10, Quadra 2, Mansões Bouganville, no município de Alexânia-GO. O preço estipulado foi de R$ 377.850,00 (trezentos e setenta e sete mil e oitocentos e cinquenta reais), a ser pago por meio de 150 (cento e cinquenta) prestações de R$ 2.499,00 (dois mil quatrocentos e noventa e nove reais), a serem atualizadas mensalmente por meio da aplicação do indexador denominado IGP-M.
[…]
Assim, observa-se a partir do resultado do cálculo fornecido para o mês de agosto de 2021 que o IGP-M acumulado nos últimos 12 (doze) meses corresponde a 31,12% (trinta e um vírgula doze por cento).
Um dos fatores de destaque que explicam a referida alta consiste na influência que os índices de preços ao produtor sofrem com a denominada pressão cambial, isto é, com a variação da moeda nacional (R$) em relação ao dólar norte-americano (US$). Também devem ser consideradas dentre as causas as chamadas quebras das cadeias globais de produção e circulação de mercadorias e insumos, provocadas pelas medidas de isolamento social, incluindo o fechamento temporário de fronteiros por determinados Estados nacionais, como medida de combate à disseminação do novo coronavírus (SARS-Cov-2) no atual contexto de pandemia mundial, além da própria política econômica adotada pelo Poder Executivo da União.
Na presente hipótese o notório aumento do percentual resultante do cálculo do mencionado indexador consiste em fato superveniente à celebração do negócio jurídico de compra e venda de bem imóvel entre as partes.
Ainda que o contexto esteja relacionado a fato jurídico imprevisível (a já referida pandemia mundial), essa característica se mostra irrelevante diante da regra prefigurada pelo art. 6º, inc. V, do CDC, cuja aplicação, como já exposto, dispensa a imprevisibilidade do fato superveniente para possibilitar a revisão de contrato por onerosidade excessiva.
[…]
Observa-se que tem sido admitido o controle judicial no que diz respeito ao exame da justificação da aplicação de indexador de correção monetária de débito que se revele, de modo evidente, em descompasso com a finalidade de recomposição do valor da moeda.
Diante desse contexto é necessário destacar que o IPCA acumulado no mesmo período dos últimos 12 (doze) meses, de acordo com dados fornecidos pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, corresponde a 9,68% (nove vírgula sessenta e oito por cento). [4]
A desproporção entre os resultados para o IPCA e o IGP-M é evidente, tendo em vista que, como já exposto, o resultado acumulado para o último índice corresponde a 31,12% (trinta e um vírgula doze por cento).
Por essa razão a onerosidade excessiva gerada em desfavor do recorrente é notória e irrazoável. Em verdade, a manutenção do IGP-M como indexador, no presente caso, ensejaria não a recomposição do valor da moeda, mas verdadeira potencialização do lucro a ser obtido pelo vendedor, mas esse efeito não deve ser admitido como pretexto justificador da mera atualização monetária (art. 884 do Código Civil). Por essa razão, as alegações articuladas pelo recorrente são verossímeis.
O requisito do risco de dano grave, de difícil ou de impossível reparação também está satisfeito na presente hipótese, uma vez que a manutenção do IGP-M com indexador, durante o curso regular do processo, tem o potencial de causar dano econômico indevido ao recorrente e impossibilitar o adimplemento das prestações vincendas.
Feitas essas considerações, defiro o requerimento de antecipação da tutela recursal para determinar a substituição do IGP-M pelo IPCA como indexador da atualização monetária das prestações vincendas, relativamente ao negócio jurídico em questão, com efeitos a partir do mês seguinte ao da publicação da presente decisão, até o julgamento final do presente recurso.
(TJ-DF 07296297420218070000, Relator: ALVARO CIARLINI, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 20/09/2021)
CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO DO AUTOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE (ART. 932 DO CPC/2015) EM PARTE DO RECLAMO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS ESPECÍFICOS DA SENTENÇA. DECISÃO EM QUE NÃO SE RECONHECE QUE O CONTRATO SEJA ATUALIZADO PELO SALÁRIO MÍNIMO. RAZÕES RECURSAIS QUE PARTEM DA PREMISSA DE QUE ESSE FATO FOI RECONHECIDO PELO JUÍZO A QUO. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO ADENDO CONTRATUAL E DE VALIDADE DO CONTRATO CEDIDO NOS SEUS TERMOS ANTERIORES. NEGATIVA DO PEDIDO PELO MAGISTRADO BASEADA EM DOCUMENTO ESPECÍFICO. APELO QUE TECE ALEGAÇÕES GENÉRICAS E NÃO MENCIONA A PROVA AVALIADA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESSES PONTOS. CORREÇÃO DAS PARCELAS PELO IGP-M. PACTUAÇÃO EXPRESSA. APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE CORREÇÃO OFICIAL QUANDO FOR MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS COM CORREÇÃO MONETÁRIA. RESPEITO À LEI DE USURA NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE ANATOCISMO. VALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. PEDIDO DE MUDANÇA DA BASE DE CÁLCULO. INVIABILIDADE. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS EM 2% SOBRE AQUELE MESMO PARÂMETRO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL RECÍPROCA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE
PROVIDO.
(TJSC apelação 0306813-66.2016.8.24.033, 3ª Câmara de Direito Civil, Des. Rel. Marcos Tulio Sartorato, julgado em 13/06/2017)
- Orientações:
Caso você tenha observado um aumento expressivo da parcela do financiamento imobiliário ou da locação, sugere-se que seja buscado um(a) advogado(a) especialista e de sua confiança para que o profissional verifique a possibilidade de readequação ou revisão do contrato, seja para substituição do IGP-M por outro indexador que mais reflete a realidade econômica; seja para afastar eventuais inconsistências no contrato, principalmente, para evitar os reflexos negativos do inadimplemento contratual.
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[1] https://portal.fgv.br/noticias/igpm-junho-2021